Patrícia Isabel Silva, in Diário de Coimbra
«Não temos nada para celebrar, mas há que provocar a consciência». As palavras são de Manuel Machado, coordenador do Núcleo Distrital de Coimbra da Rede Europeia Anti-Pobreza (REAPN), que, em parceria com a Rede Social, promoveu ontem uma conversa no dia em que um pouco por todo o mundo se assinalou a erradicação da pobreza.
Com o estado económico actual, «voltámos a ter de pensar em 1929» e na célebre frase do economista americano John Keynes: «a longo prazo estamos todos mortos». Para combater a pobreza, «temos de agir agora, preocupemo-nos com o já», desafia Manuel Machado.
Satisfeito com a dotação de mais 33% do Orçamento de Estado para a acção social, adianta também que «é indispensável um alerta da consciência colectiva para que todos percebam que têm um contributo que podem dar».
Neste combate à pobreza, a rede europeia considera que a estratégia «deve incluir os excluídos», mesmo sabendo que «não é fácil», ao mesmo tempo que não desiste da criação de um observatório nacional de combate à pobreza, especialmente num momento em que os indicadores revelam que «os próximos tempos vão ser mais pesados», pelo que poderá haver mais pessoas com fome, frisou.
No que toca ao Rendimento Social de Inserção, Manuel Machado lamenta os «oportunismos» que por vezes surgem, daí a urgência num estudo para acabar com os «equívocos». Porque a pobreza é uma «questão transversal», «deve merecer um lugar no debate político», com a intervenção de todos os ministérios, considera, apelando para que as verbas do Quadro de Referência Estratégico Nacional também sejam canalizadas para o combate à pobreza.
Na sessão, o ex-presidente da Câmara de Coimbra apresentou alguns dados sobre o estado mundial: há 78 milhões de pessoas a viver no limiar da pobreza. Um sexto da população vive com menos de 70 cêntimos por dia, quando na União Europeia cada vaca recebe um subsídio de dois euros por dia.
Manuel Machado recordou ainda a expressão de Bono Vox: «Existem 700 mil milhões para salvar Wall Street. Mas se não existem 25 mil milhões para salvar 25 mil crianças de morte certa todos os dias, então eu chamo a isso bancarrota moral».
Premiar o mérito
Em tempos de crise, o cenário não deixa boas indicações, mesmo depois de dados da União Europeia indicarem que Portugal é um dos poucos países onde o número de pobres diminuiu. «Com sete anos de crise e mais não sei quantos que aí vêm, só podemos ficar pior», considera Carlos Encarnação, considerando que a sociedade tem de tentar encontrar «mais e melhores respostas» para «conseguir minorar os problemas das pessoas que sofrem», porque as soluções que existem «não estão moldáveis para estas novas sociedades».
O presidente da Câmara Municipal de Coimbra destacou as mais variadas formas de viver em pobreza. «Há aqueles que não têm recursos, aqueles que são pobres porque não têm capacidade total de angariar recursos, para solucionar problemas. Há aqueles que recebem o rendimento social de inserção e são incapazes de gerir bem essa prestação e gerir a sua vida. Têm uma incapacidade total de definir quais as suas prioridades».
Depois, há uma «pobreza nova», que afecta «pessoas que optam por não ter nada» e «recusam aceitar uma intervenção». Encarnação referia-se aos sem-abrigo, certo que em Portugal a pobreza «é muito em função da ausência de estruturação social, de oportunidades, de preparação para aceder a um conjunto de bens».
«Não há uma fórmula mágica», é certo, por isso, «há que tentar encontrar novas fórmulas para problemas novos», frisou o autarca, recorrendo aos dados publicados esta semana sobre o estudo de Pedro Hespanha. Nessa análise concluiu-se que há uma percentagem de abandono escolar a rondar os 39%, prevendo-se que, tendencialmente, o desemprego vá aumentar, por falta de qualificações.
A questão, explicou Carlos Encarnação, é que a estes jovens que deixam a escola prematuramente e não enveredam pela via do ensino superior, muitas vezes, não lhe são mostradas alternativas, num país onde as pessoas se diferenciam «pelo título» e não pelo mérito.
«Estou farto de tentar organizar cursos profissionais para profissões que são bem pagas, mas não há clientes. Tenho quatro calceteiros na Câmara Municipal», exemplificou o autarca.
E nesses casos, como o dos sem-abrigo, a sociedade não pode ser «espectadora». «Nós, de facto, não podemos fazer nada?», questiona-se. Certo que há muito fazer, o presidente da Câmara Municipal destacou o papel da Rede Social na identificação das situações. Agora, falta encontrar novos mecanismos, num cenário de uma Europa em crise, que obriga a «redobrar nos nossos esforços».