José Miguel Gaspar, in Jornal de Notícias
Em 23.º entre 24 analisados, só Espanha está pior. Estudo da OIT expõe defeitos da era das finanças globais
A conclusão da Organização Internacional do Trabalho é taxativa: a globalização não está a beneficiar a maioria. Entre salários que crescem abaixo da produtividade, é cada vez maior a diferença entre o leque salarial de ricos e pobres.
A incidência do trabalho precário em Portugal aumentou um terço nos últimos 15 anos, atirando o nosso país para o 23.º lugar entre 24 países analisados. Pior, só mesmo a situação de Espanha, que lidera o ranking de 20 países europeus mais EUA, Canadá, Austrália e Japão. O resultado está publicado no mais recente estudo da Organização Internacional do Trabalho (OIT), dedicado à análise das desigualdade de salário na era das finanças globais.
O relatório, que examina vencimentos e crescimento em mais de 70 países desenvolvidos, é o mais completo sobre a desigualdade de salários a nível mundial realizado até o momento pelo Instituto. As conclusões (ver outro texto), são impiedosas quanto ao rumo da globalização financeira: "Em muitos países existe já uma percepção generalizada de que a globalização não actua em benefício da maioria da população".
Analisada a evolução entre 1990 e 2006, em Portugal sobressaem demasiadas preocupações. É o que entende Luís Bento, professor com pós-graduação em Gestão Integrada de Recursos Humanos, que, além do "aumento significativo do trabalho temporário", vê outras cinco inquietantes conclusões: "Salários cresceram sempre abaixo da produtividade; leque salarial entre os salários mais baixos e mais elevados continuou a alargar-se; o crescimento dos impostos sobre os trabalhadores por conta de outrem; salários em Portugal não reflectem a performance dos trabalhadores; contratos a prazo com salários mais baixos do que os contratos permanentes".
Para aquele professor da Universidade Católica de Lisboa, há três razões para o aumento da precariedade: "Em primeiro lugar, a redução (formal) de custos com pessoal, eliminando encargos fixos e fazendo-os transitar para custos variáveis, através do trabalho temporário. Este passa facturas de prestação de serviços que não vão a custos com pessoal. Em segundo lugar - continua Luís Bento -, o crescimento da sazonalidade em muitas actividades (turismo, 'call center's', 'merchandising')". Por último, aponta "a obtenção de maior flexibilidade laboral por parte das empresas, obtida através do trabalho temporário, actividade sem regulação durante muito tempo, tendo permitido muitos abusos".
Vitalino Canas, provedor do Trabalho Temporário, atenta em todas as más condições contratuais: "São todas as formas de trabalho que vulgarmente se designam de 'trabalho precário' - contratos a termo, trabalho sazonal, 'agency work' e essa forma selvática de desrespeitar direitos das pessoas que são os recibos verdes".
O resultado do estudo, conclui, "justifica plenamente a luta contra esquemas de precarização que se tornaram cada vez mais refinados em Portugal".