Isabel Arriaga e Cunha, Bruxelas, in Jornal Público
Propostas da presidência francesa esbarraram nas críticas de muitos Estados-membros, que as consideram excessivas
A O voluntarismo do Presidente francês, Nicolas Sarkozy, sobre a refundação do sistema financeiro internacional provocou ontem a contestação de vários países da União Europeia (UE), que o acusaram de pretender introduzir uma regulação excessiva dos mercados.
A polémica estalou durante uma minicimeira extraordinária dos líderes dos Vinte e Sete que ontem decorreu em Bruxelas para definir uma posição comum sobre a reforma das regras do sector financeiro a apresentar à cimeira do G20 (os oito países mais ricos do mundo, onze economias emergentes e a UE) que decorre no dia 15, em Washington.
Países como o Reino Unido, República Checa ou Portugal (representado pelo ministro dos Negócios Estrangeiros, Luís Amado, em substituição do primeiro-ministro) contestaram o teor da proposta de mandato para Washington avançada pela presidência francesa da UE, considerando-a "excessivamente limitadora e condicionadora do mercado".
As críticas mais duras partiram do primeiro-ministro sueco, Fredrik Reinfeldt, que chegou a Bruxelas com "várias objecções" ao que considerou a "regulação excessiva" preconizada pelos franceses. Segundo vários diplomatas europeus, Reinfeldt foi particularmente contundente durante as discussões dos líderes, acusando Sarkozy de não ter suficientemente em conta a posição dos seus pares.
As críticas incidiram sobretudo sobre a ideia de que "nenhuma instituição financeira, nenhum segmento de mercado, nenhuma jurisdição deve escapar à regulação ou à supervisão". A discussão gerou uma nova versão que passou a referir que estas instituições, mercados e jurisdições não deverão "escapar a uma regulação proporcionada e adequada, ou pelo menos à vigilância".
Apesar das divergências, os Vinte e Sete aprovaram "uma posição comum bastante detalhada", "uma visão da Europa para a refundação do sistema financeiro" assente na "transparência e regulação dos mercados", afirmou Sarkozy no final. A posição da UE coloca uma pressão considerável sobre os EUA para participarem plenamente na busca de soluções capazes de corrigir as lacunas que tornaram possível a actual crise financeira.
A reunião de Washington "não deve ser uma reunião só para analisar as causas da crise", mas para "definir respostas detalhadas", defendeu Sarkozy, precisando que os Vinte e Sete fixaram um prazo de "100 dias para a realização de uma nova cimeira para analisar as decisões da primeira".
A ser assim, a nova cimeira internacional, a decorrer até ao fim de Fevereiro, já contará com a presença do futuro Presidente americano, Barack Obama, que tomará posse um mês antes e que, segundo Washington, não participará no encontro do dia 15.
Sarkozy critica
Reagindo implicitamente à relutância com que o ainda Presidente americano, George W. Bush, encarou a realização deste primeiro encontro - imposto pelos europeus - e a urgência de adoptar medidas concretas, Sarkozy responsabilizou claramente o modelo de capitalismo anglo-saxónico pelo actual estado de coisas. "A crise é mundial, mas sabemos muito bem de onde partiu. Mesmo se alguns tenderão a esquecer, nós não esqueceremos", afirmou, frisando que "os que sofrem as consequências têm o direito de se sentar à mesa e exigir soluções, e depressa."
De acordo com Mirek Topolanek, primeiro-ministro da República Checa, no entanto, "o mandato dado a Sarkozy é muito vasto, depois de termos constatado que temos opiniões diferentes sobre a forma como essas coisas devem ser resolvidas". "Pusemo-nos de acordo em que é preciso fazer qualquer coisa, mas muitos disseram que devemos primeiro identificar as causas da crise", acrescentou.
Sarkozy frisou ainda que os Vinte e Sete estão igualmente "de acordo sobre a necessidade absoluta de coordenação das políticas económicas" para contrariar a recessão que, segundo o primeiro-ministro do Luxemburgo, Jean-Claude Juncker, afectará a zona euro em 2009. As previsões avançadas esta semana pela Comissão Europeia ainda apontavam para um ligeiríssimo crescimento da economia no próximo ano.