Alexandra Marques,in Jornal de Notícias
Graça Machel alerta para dianteira espanhola e lembraque oportunidades não estão só nos países lusófonos
Portugal não está a apostar em parcerias africanas na área da ciência e do conhecimento e corre o risco de ficar para trás, advertiu a mulher de Mandela, que recebe estq quinta-feira o doutoramento "honoris causa" da Universidade eborense.
Assumindo-se sobretudo como "uma mulher africana" antes de ser viúva do primeiro presidente moçambicano, Samora Machel, ou a mulher do ex-chefe de Estado da África do Sul, Graça Machel falou anteontem à noite para uma centena de pessoas, com a frontalidade que sempre a caracterizou.
"Portugal não tem uma estratégia muito clara na cooperação científica e de investigação", disse a presidente da Fundação para o Desenvolvimento da Comunidade. E referiu que Espanha está envolvida na criação da vacina contra a malária (Mali, Tanzânia e Moçambique), além de ter há pouco tempo decorrido em Maputo um encontro de universidades africanas e espanholas. "Se Portugal não aproveita vai ser ultrapassado pelos espanhóis e não estou a brincar", sublinhou na conferência realizada no Centro Cultural de Belém, em Lisboa.
A ex primeira-dama referiu ainda que os portugueses "romperam com o sistema colonial, mas ainda estão a seguir o modelo antigo" de cooperação, assente nas trocas comerciais. Apesar da cimeira UE-África (a de 2000 e de 2008) ter representado, em teoria, uma mudança no modelo de cooperação entre os dois continentes.
Insistindo que África são 53 países com realidades bem diferentes e que em 2010, 20% das necesidades petrolíferas dos EUA serão satisfeitas por África, Graça Machel apelou à Europa para não pensar nas riquezas naturais do subsolo africano - os diamantes, o petróleo e o gás - e a partilhar o conhecimento.
A oradora - que hoje recebe o doutoramento honoris causa da Universidade de Évora -, exortou ainda Portugal a investir fora da lusofonia. Em países "onde nunca meteram os pés enquanto colonizadores". Porque as oportunidades abundam.
"Portugal não pode limitar a sua acção ao mundo lusófono", concordou o embaixador António Monteiro, com a eurodeputada do PS, Ana Gomes, um dos comentadores convidados.
O ainda embaixador português em Paris quis saber mais sobre o conflito entre Ruanda e o Congo, tendo a oradora referido que as milícias hutus que se encontram nas florestas do Congo "têm de ser neutralizadas, senão serão sempre um foco de tensão".
Desmentida a intervenção das tropas angolanas na região - que Graça Machel disse constituir um perigo por "regionalizar" esse conflito -, Ana Gomes contrapôs que o regime de Kabila é produto dos EUA, não tendo sequer um exército capaz de lutar e daí ter de recorrer a Luanda.
Na sessão, a oradora confessou ser muito complexa a situação do Zimbabué e à questão de Monteiro se não se justifica a acção dos "Elders" - grupo de Nelson Mandela, Jimmy Carter, Desmond Tutu e Kofi Annan, criado em Julho de 2007 - respondeu: "Eles estão a trabalhar", garantindo ainda que o célebre grupo "não está de braços cruzados".
Tem agido em "diplomacia silenciosa" para não competir com as outras instâncias, "mas face ao impasse de domingo, a actuação pode mudar e não estou autorizada a revelar mais nada", disse.