Joana Bastos e Sílvia Maia, in Diário de Notícias
Processos. Maioria não apresenta queixa
Inspecção-Geral instaurou mais de 300 processos em 2007
Estima-se que quatro em cada dez trabalhadoras são assediadas no emprego, mas por medo e vergonha a maioria não o denuncia. No ano passado, foram instaurados mais de 300 processos disciplinares relacionados com este crime, que o inspector-geral do Trabalho, Paulo Morgado de Carvalho, diz estar a aumentar em Portugal. "Todos os dias, de norte a sul do País, há mulheres vítimas de assédio sexual no local do trabalho", alerta Fausto Leite, advogado especialista em Direito de Trabalho, assegurando que os casos que chegam a julgamento "são apenas a ponta do icebergue".
Fátima (nome fictício), de 36 anos, foi uma das vítimas com coragem para denunciar a situação e enfrentar o chefe em tribunal. Na empresa de call center onde trabalhava há três anos, os avanços do novo superior hierárquico começaram subtilmente: elogiava-a com frequência e atribuiu-lhe mais responsabilidades. Pouco tempo depois começou a acompanhá-la nos serviços externos, criava pretextos para estar sempre a seu lado e à saída do emprego pedia--lhe boleia. Na noite em que a convidou "para subir a sua casa e beber uns martinis", Fátima assustou-se.
"Quando comecei a recusar sistematicamente os convites, foi o descalabro total. Passou a controlar-me, nas reuniões não me deixava falar, chegava a ser agressivo e a humilhar--me em frente aos colegas", conta a mulher de olhos verdes, que recorda os "angustiantes" momentos em que o chefe "ficava parado ao fundo da sala, com as mãos nos bolsos, a olhar fixamente" para ela.
A situação arrastou-se durante meses até que decidiu pedir apoio jurídico ao sindicato, porque "não podia ficar calada". Por ela, e por todas as outras mulheres. Na altura, o advogado avisou-a de que, provavelmente, as represálias iriam aumentar e, por isso, quando a empresa lhe moveu um processo disciplinar conducente ao despedimento não ficou surpreendida. Fátima foi para tribunal com uma queixa por assédio.
Só no ano passado, a Associação Nacional de Pequenas e Médias Empresas (ANPME) acompanhou mais de 300 processos disciplinares por assédio sexual. Um número que para o especialista Fausto Leite está muito longe da realidade: "Calcula- -se que em cada dez trabalhadoras há quatro assediadas." Mas, ao contrário de Fátima, a grande maioria das vítimas esconde o drama. "Temos muito, muito poucas denúncias. Era importante que nos fizessem chegar [as queixas], que tivessem essa coragem, porque são situações que acontecem com cada vez mais frequência", alerta o inspector-geral do Trabalho, Paulo Morgado de Carvalho.
Nas pequenas e médias empresas, que representam cerca de 90% do tecido económico português, "o assédio sexual sempre existiu", reconhece o presidente da ANPME, Augusto Morais. E dá um exemplo con- creto: "Temos um trabalhador que já assediou várias colegas de trabalho e já teve uma semana de suspensão. É reincidente, mas é um bom trabalhador, o que quer dizer que não é despedido, porque o que interessa à empresa é o resultado. Para os empresários, o problema do trabalhador tentar assediar a colega é secundário", admite Augusto Morais. Das centenas de processos que em 2007 chegaram ao gabinete jurídico da ANPME, "apenas três resultaram em despedimento", afirma. Lusa