6.10.08

Cavaco Silva pede "verdade", para superar as dificuldades

Joana Ferreira da Costa, in Jornal Público

O Presidente fez um diagnóstico dos tempos difíceis que o país atravessa, mas deixou mensagem de esperança aos portugueses


Verdade. A verdade contra a ilusão que "é fonte de descrença". Verdade, palavra repetida vezes sem conta, ontem, pelo Presidente da República nas comemorações do 5 de Outubro, em que reconheceu que o país vive momentos difíceis. Uma realidade que não pode ser "iludida pelos agentes políticos", disse Cavaco Silva, desafiando os portugueses a não baixarem os braços e estabelecendo um conjunto de prioridades políticas.

De manhã, na Praça do Município, em Lisboa, Cavaco Silva quis deixar claro que reconhece as dificuldades que os portugueses enfrentam no dia-a-dia. Falou das famílias que lutam para pagar os empréstimos à habitação, dos idosos cuja "reforma mal chega para as despesas essenciais", daqueles que ficaram desempregados, das novas formas de pobreza e exclusão social. "O que é vivido pelos cidadãos não pode ser iludido pelos agentes políticos", afirmou o Presidente. "Quando a realidade se impõe como uma evidência, não há forma de a contornar", frisou.

Durante o todo o discurso, Cavaco Silva salientou a necessidade de se falar verdade, demonstrando que é sensível às críticas generalizadas da oposição, que tem acusado o Governo de mascarar a realidade do país com acções de propaganda. "A verdade gera confiança, a ilusão é fonte de descrença", frisou.

"Tempos difíceis"

O chefe de Estado fez questão de falar nos "fracos índices de crescimento económico" de Portugal, da "insustentável tendência de endividamento externo", das profundas disparidades regionais e de uma situação internacional pouco favorável. "Os tempos são difíceis, mas a vontade o querer dos portugueses terão de ser mais fortes", disse Cavaco. "Somos capazes de vencer quando os desafios são maiores", defendeu. "Não se deixem vencer pelo pessimismo e pelo desânimo."

Para que Portugal possa regressar ao caminho da "convergência real com o desenvolvimento médio dos países da União Europeia", o Presidente enumerou ontem um conjunto de prioridades políticas: o combate ao desemprego, o reforço da competitividade das empresas e a necessidade de uma aposta contínua numa educação de "exigência" na qualificação. E lembrou que o Estado tem de garantir a justiça e a segurança, mas não pode "esquecer aqueles que têm muito pouco, os mais frágeis e desprotegidos".

Sócrates gostou

Imune às críticas, o primeiro-ministro, José Sócrates, sublinhava no final da cerimónia nos paços do concelho a "consonância perfeita" entre o discurso do Presidente da República e o Governo. "Gostei muito do discurso", afirmou Sócrates. "Como tenho sempre dito, as dificuldades do presente resolvem-se com acção, com vontade, com ambição e não com um baixar de braços".

Às prioridades de actuação política defendidas por Cavaco Silva, o primeiro-ministro responde com a estabilidade das contas públicas e as medidas sociais do Governo. "Há três anos, Portugal tinha uma gravíssima situação financeira, mas agora já não temos esse problema", defendeu.

Sócrates fez também questão de sublinhar as "muito importantes" políticas de combate à pobreza. "Nestes últimos três anos, saíram da pobreza mais de 130 mil idosos. O Governo não só fez, como está a fazer tudo para tirar mais pessoas da situação de pobreza", reivindicou.

As palavras do Presidente foram ontem recebidas em silêncio pela líder do PSD, Manuela Ferreira Leite, que se recusou a falar aos jornalistas. Horas mais tarde, era o líder da bancada parlamentar social-democrata quem saudava o discurso do Presidente em declarações à Lusa. No final da cerimónia, os populares aplaudiram a intervenção de Cavaco, enquanto PCP e BE pediam críticas mais firmes à acção do executivo.

"O Presidente da República fez um diagnóstico sobre alguns dos problemas do país, mas podia e devia ter ido mais longe sobre a governação, porque estes problemas não estão desligados das políticas do Governo", defendeu a bloquista Helena Pinto.
Já o líder da bancada parlamentar comunista, Bernardino Soares, lamentou a ausência de "críticas às políticas de direita que têm sido seguidas", considerando que não se podem resolver "com muita fé e esperança" os problemas dos portugueses. Para o CDS-PP, este é um discurso realista.

"Não adianta pintar a realidade do país de cor-de-rosa. Há uma responsabilidade do Governo para encontrar soluções e não adianta que esse mesmo Governo se limite a culpar a situação internacional", afirmou António Carlos Monteiro.

António Costa aproveitou as comemorações do 5 de Outubro para pedir mais poderes para a Câmara de Lisboa.