Susete Francisco, in Diário de Notícias
5 de Outubro. A comemoração dos 98 anos da implantação da República foi ontem o palco para Cavaco fazer um diagnóstico pesado da situação do País. O Presidente deixou o reparo: "O que é vivido pelos cidadãos não pode ser iludido pelos políticos"
Presidente apela ao esforço e empenho dos portugueses
O Presidente da República traçou ontem um quadro negro da actual situação económica e social portuguesa. Subida das taxas de juro, desemprego, reformas baixas, pobreza, desigualdade social, fraco crescimento económico - este é o País visto por Cavaco Silva, que ontem repetiu: "Não escondo que vivemos tempos difíceis."
O chefe do Estado falava no tradicional discurso do 5 de Outubro, na Praça do Município, em Lisboa, na presença do primeiro-ministro, José Sócrates. Foi a terceira mensagem do actual Presidente nesta data. E se Cavaco tem escolhido o 5 de Outubro para proferir algumas das suas intervenções mais contundentes, esta foi seguramente a mais crítica para a governação socialista.
Há dois anos, Cavaco dedicou o discurso à corrupção, em 2007 pediu um "novo olhar" sobre a escola - em ambas as situações deixou críticas e elogios. Agora, a um ano de eleições, opta por uma análise mais global da situação do País. E as conclusões estão muito longe do discurso do Executivo de José Sócrates sobre a actual situação portuguesa.
O dever de falar verdade
Cavaco Silva foi directo ao assunto: "O que é vivido pelos cidadãos não pode ser iludido pelos agentes políticos. Quando a realidade se impõe como uma evidência, não há forma de a contornar." "A verdade gera confiança, a ilusão é fonte de descrença", diria já no final. Uma mensagem claramente com destino a São Bento e ao discurso optimista que o Governo tem adoptado.
Para Belém , a realidade evidente é esta - "Muitas famílias têm dificuldade em pagar os empréstimos que contraíram para comprar as suas casas"; "Há idosos para quem a reforma mal chega para as despesas essenciais"; "Há jovens que buscam ansiosamente o primeiro emprego"; "Há homens e mulheres que perderam os postos de trabalho"; "Nascem novas formas de pobreza e exclusão social e emergem chocantes disparidades de rendimentos".
O diagnóstico não ficou por aqui. Das questões sociais passou às económicas e o quadro não foi melhor. "Portugal tem registado fracos índices de crescimento económico. Afastámo-nos dos níveis de prosperidade e bem estar dos nossos parceiros europeus. Ainda não invertemos a insustentável tendência do endividamento externo", afirmou o Presidente. Mais: "Persistem profundas disparidades entre as diferentes regiões.
Feito este balanço, só então Cavaco se referiu ao plano externo , afirmando que "a situação internacional não é favorável". Até porque as economias dos principais parceiros comerciais de Portugal registam já "um claro abrandamento". Um pormenor: Cavaco não usou, em todo o discurso, a palavra "crise".
Apelo à mobilização
Traçado o quadro, o Presidente deixou uma mensagem de esperança, apelando ao esforço e empenho de todos os portugueses para ultrapassar a actual situação - "É nestas alturas que se vê a fibra de um povo".
O apelo foi para todos, mas especificado para alguns em particular: "Este é o tempo em que aqueles que servem as instituições da República devem fazer prova do seu real valor e da sua visão de futuro".
No discurso de ontem, Cavaco Silva chegou mesmo a apontar o que devem ser as prioridades da agenda política - conseguir uma convergência real com a média da União Europeia e reduzir o desemprego. A que se acrescenta a "melhoria do poder de compra de quem vive do seu trabalho" e a redução dos níveis de pobreza: "O Estado nunca pode esquecer aqueles que têm muito pouco".
Falando perante os mais altos responsáveis políticos e judiciais do País, o Presidente da República referiu ainda que o Estado tem de garantir a "justiça e a segurança" aos cidadãos. Que têm "direito a esperar do Estado que faça bem o que lhe compete fazer" - nomeadamente "que seja rigoroso e ponderado no uso dos dinheiros públicos e que os impostos sejam justos e razoáveis".