5.10.08

Meninos mendigos explorados por adultos

in Jornal Público

Maria (nome fictício), 10 anos, e dois irmãos, de 13 e 14, vendem o Borda d'Água nas ruas de Lisboa. E pedem dinheiro a quem não compra. Um destes dias, a menina meteu conversa com uma das técnicas do Instituto de Apoio à Criança (IAC). Quis vender-lhe a publicação. Foi um acaso. Conversaram um bocado. Combinaram um novo encontro: no dia seguinte, naquela mesma rua. E Maria apareceu com o irmão.

As três crianças vieram da Roménia com os pais e um quarto irmão mais novo que adoeceu entretanto. Os pais acabaram por voltar à terra natal com o filho pequeno. Deixaram os mais velhos em Portugal.

Em 2006, foram sinalizadas pelas comissões de protecção de crianças e jovens 239 casos de menores em situações de mendicidade. Cerca de uma centena tinha até cinco anos. Já em 2007, a linha SOS Criança recebeu 149 denúncias de mendicidade infantil.
"Há muitos bebés que são utilizados" nestas situações, diz Matilde Sirgado, coordenadora geral do Projecto Rua, do IAC. "Muitas vezes estão dopados, enrolados em mantas, para não incomodar." São situações de maus tratos e a polícia é avisada. Mas muitas vezes as crianças voltam à rua. É um fenómeno muito associado a romenos, continua a responsável. Há alguns anos tinha uma dimensão maior, diz, contudo "ainda é preocupante".

No final dos anos 80 e princípio da década de 90 havia várias crianças a viver nas ruas de Lisboa, muitas estavam entregues a si próprias, dormiam nas grelhas do metro, snifavam cola, eram, quase sempre, portuguesas. Em 1989, o IAC decidiu criar um projecto, integrado no Programa de Luta contra a Pobreza, para lidar com a situação. Em 1993, fixaram-se equipas nalguns bairros de onde eram originárias crianças que eram encontradas.

Matilde Sirgado diz que foram retiradas das ruas mais de 600 crianças e jovens que ou voltaram às famílias ou foram acolhidos em instituições. Hoje, praticamente não existem meninos nestas circunstâncias, afirma. Tecnicamente, continua, hoje, em Portugal, mais do que de "crianças de rua", fala-se de "crianças na rua". Muitas sofrem aquilo que é definido, a nível internacional, como "as piores formas de exploração de trabalho infantil". Pedem, prostituem-se, traficam... são portugueses, mas também de países de Leste ou de África. "Há maior diversidade de nacionalidades."
Com Maria e o irmão, as técnicas do IAC tiveram o cuidado de obter o máximo de informações. O rapaz mostrou os seus documentos, disse o nome da escola que frequenta. Maria explicou que moram na Amadora com uma tia. "Disseram que andavam na escola, mas que as aulas não tinham começado."

Mas ao terceiro encontro combinado, nem a menina nem os irmãos compareceram. "Podem ter dito à tia que tinham falado connosco e ela proibiu-os de aparecer, ou pode nem haver uma tia" e podem estar a ser explorados por outros adultos. "Ou pode ainda haver uma tia que trabalha, mas está ilegal e teve medo..." Sirgado diz que não se desiste. "Vamos tentar localizá-los. Por exemplo, contactando a escola que o irmão nos disse que frequentava." A.S.