Maria Cláudia Monteiro, in Jornal de Notícias
Crise financeira atinge pessoas que, até agora, estavam imunes à privação
Uma elevada parte da população portuguesa é vulnerável à pobreza
Quase dois milhões de portugueses vivem em risco de pobreza. Desemprego, velhice, doença e os baixos salários são as principais causas que ditam o infortúnio de quem tem apenas 366 euros, ou menos, para sobreviver.
Aos factores endémicos, junta-se, agora, a voragem impiedosa de uma crise financeira internacional que, nos últimos meses, já começou a fazer vítimas: os "novos pobres". Pessoas com um ordenado fixo, mas cujo rendimento não chega para satisfazer as necessidades do agregado familiar.
O fenómeno atinge cada vez mais pessoas que tradicionalmente estavam fora das bolsas de pobreza. "A partir dos anos 90, começou a surgir a nova pobreza urbana", explicou José Lúcio, docente do mestrado em Gestão do Território, da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. "Pessoas tradicionalmente não pobres, que devido a alterações económicas da sociedade começaram a entrar em situações de pobreza".
Gente que passa pela pobreza, mas que não é pobre, sublinha o professor universitário. "Um indivíduo pode conhecer um ciclo de pobreza, que pode não ser permanente, nem de longa duração", explica. Entre 1995 e 2000, 46% do portugueses passaram pela pobreza, em pelo menos um dos anos, refere Alfredo Bruto da Costa, no livro "Um olhar sobre a Pobreza, vulnerabilidade e exclusão social no Portugal Contemporâneo". "Quer isto dizer que uma elevada parte da população portuguesa é vulnerável à pobreza, mesmo que, em dado momento, não seja pobre", lê-se na obra do presidente do Conselho Económico e Social.
E apesar do risco de pobreza ser mais acentuado para os desempregados (31%) do que para as pessoas que têm trabalho (11%), verifica-se que a maioria dos pobres são trabalhadores por conta de outrem (30,8%) ou por conta própria (18%), reformados (21,6%) e domésticas (11%).
Os baixos salários, o fraco nível educativo e a falta de qualificações explicam este cenário. A par da actual crise financeira, com a consequente subida das taxas de juro para o crédito à habitação, que tem feito chegar às bolsas de pobreza gente, até hoje, imune a privações.
"As pessoas que apoiamos, actualmente, são diferentes", explicou Zelmina Pinto, psicóloga da Fundação Filos. "Antes, eram mais famílias problemáticas, com baixos níveis de escolaridade, enquanto que, agora, apoiamos cada vez mais famílias da classe média que não conseguem pagar as casas", conta.
O desemprego e a subidas das taxas de juro são as principais causas que conduzem ao pedido de auxílio e ao Rendimento Social de Inserção.