Sofia Cerqueira, in Jornal Público
Graça Machel pediu à Europa para olhar com outros olhos para uma "África de futuro", ao falar quarta--feira à noite no Centro Cultural de Belém, em Lisboa.
A ex-primeira-dama de Moçambique e da África do Sul lembrou o que mudou e o que ainda falta mudar no seu continente que - defende - "não é pobre, é empobrecido", ao intervir na conferência Olhares Africanos, que procurou olhar para o estado das relações entre os dois continentes, quase um ano após a segunda cimeira União Europeia-África.
Da cimeira do ano passado, em Lisboa, a "mamã Graça", como lhe chamam os moçambicanos, destacou a "mudança do paradigma de cooperação" e o início envergonhado de uma nova mentalidade que entende o diálogo entre os dois continentes como uma conversa de igual para igual, sobre os interesses comuns.
"O modelo colonial já - não - dá!", exclamou Graça Machel, abanando o
dedo indicador perante uma sala cheia, presa ao tom ora sério, ora informal da principal convidada da sessão organizada pela Fundação Luso-
-Americana para o Desenvolvimento e pelo Centro de História Contemporânea e Relações Internacionais.
A viúva do ex-presidente Samora Machel e actual mulher de Nelson Mandela apelou à Europa para deixar de ver a África como se fosse um grande país homogéneo. E deixou o aviso: "Não estou a brincar. Se Portugal não começar a trabalhar já, será ultrapassado pelos espanhóis", que já apostam nos países africanos para lá dos recursos naturais, nomeadamente nas tecnologias do conhecimento. E é este o futuro da economia crescente do continente africano, segundo a activista social.
Presidente da Fundação para o Desenvolvimento da Comunidade em Moçambique e membro do think tank Global Elders (que reúne grandes personalidades como Mandela, Desmond Tutu ou Jimmy Carter), Graça Machel confessou-se uma entusiasta da "África do futuro", vibrante e transformadora, apesar de sentir "o coração pesado" com o que tem acontecido no Congo, na Somália e no Zimbabwe, que diz não compreender. Uma preocupação partilhada pela eurodeputada Ana Gomes e pelo embaixador António Monteiro.
Mas insiste no que chama de "bons sinais": o número crescente de mulheres em cargos de poder e a emergência de instituições democráticas e de uma cultura de responsabilização, com alguns países a aceitarem ser escrutinados pelos seus pares. "Os desafios são enormes, mas não digam que os 53 estados não estão a fazer nada, porque alguns estão e muito", disse Graça Machel, que, apesar de atribuir responsabilidades aos dois lados, não deixou de lembrar que "a Europa ainda não abriu a mão, ao conversar com África". "O começo foi bom, mas o caminho... ainda é muito longo", rematou a oradora.
Graça Machel esteve ontem na Academia das Ciências de Lisboa, onde representou Nelson Mandela, proclamado sócio honorário da instituição e hoje recebe o doutoramento honoris causa da Universidade de Évora.
A mulher de Nelson Mandela disse que a cimeira UE-África marcou uma mudança de paradigma na cooperação.