Ana Cristina Pereira, in Jornal Público
Em Setembro já havia 564 adopções decretadas e já estavam 631 crianças em pré-adopção
Esperou três anos. Três anos "é muito tempo para realizar um projecto de maternidade", mas Manuela conhece quem tenha esperado "seis". Quando ela e o marido apresentaram a candidatura, queriam uma criança até três anos, como a maior parte dos candidatos em Portugal. O tempo foi passando, a filha biológica de ambos foi crescendo e eles foram alargando a idade. Alargar a idade acelera o processo.
Será "um bocadinho arriscado", nota Edmundo Martinho, presidente do Instituto de Segurança Social, dizer que este ano o país ultrapassará a barreira das mil adopções. O que podemos, com certeza, dizer é que "este ano haverá mais adopções do que nunca". Em Setembro já tinham sido decretadas 564 adopções. E já havia 631 crianças em período de pré-adopção, isto é, integradas nas famílias que as vão adoptar: o período experimental dura seis meses.
Mais crianças disponíveis
A subida verifica-se desde 2006 de uma forma consistente. Edmundo Martinho aponta a maturidade da alteração legislativa, a entrada em funcionamento das listas nacionais de adopção, o incorporar de práticas de agilização dos processos - nas instituições, na Segurança Social, nos tribunais. No terreno está o Projecto Dom, a reforçar e a qualificar as equipas das instituições que acolhem crianças e jovens em risco.
Também por isso há mais crianças disponíveis: 1445 com processo em Janeiro, 1856 em Setembro. Falta alargar o perfil desenhado pelos candidatos. Os portugueses continuam a preferir crianças até três anos, caucasianas, saudáveis.
O desejo de adoptar "intensificou-se" em Manuela com o nascimento da filha biológica, agora com nove anos. "Se ela não tivesse esta família, gostava que ela tivesse outra que lhe desse colo." A miúda "ficou eufórica" com a irmã.
A menina fora retirada a uma mãe negligente. Vivera quase dois anos num centro de acolhimento temporário. Perto do Natal de 2006, disse à psicóloga que queria um pai e uma mãe como prenda. Na carta que escreveu ao Pai Natal pediu apenas brinquedos, mas a equipa tratou de aproveitar aquela vontade. Em Fevereiro de 2007, a família de Manuela era contactada. E, a 12 de Março, ela e o marido conheciam a menina.
Ao ver a criança, o casal sentiu o impulso de correr para ela. Não correu - não era aconselhável. Tinham de respeitar o seu espaço. Ela identificou-os, retraiu-se, continuou a brincar. Manuela aproximou-se, meteu conversa com ela: "Tenho aqui um livro. Queres ver se gostas?". E o marido aproveitou a deixa: "Quem queres que leia a história?". "Quero que leia a mamã", respondeu. Tinham enviado um álbum de fotografias. Ela vira-as. Viu-os. Adoptou-os.
Voltaram a 13, com a filha biológica. Nos dias seguintes, passearam todos na presença de uma educadora. A 16 levaram-na para casa. "As técnicas tinham sugerido que criássemos um quarto só para ela, para ela sentir que tinha o seu próprio espaço", recorda a mãe. Pouco depois, as miúdas perguntaram se podiam partilhar o quarto. "É fantástico ver como se dão bem. Têm as suas zangas, mas partilham os brinquedos, é 'mana para cá, mana para lá'".
Celebrou sete anos em Outubro. E, apesar de ter vindo com mais de cinco, adoptou a família inteira. No início, corria para Manuela quando a via sair do banho. Sentia necessidade de lhe tocar na pele. Já nada os parece separar. Ontem, foram ao festival de pequenos cantores de Ovar. As irmãs cantam.