Catarina Gomes, in Jornal de Notícias
Brasileiros e africanos estão mais satisfeitos com o sistema português do que os que vieram da Europa de Leste
Os imigrantes que estão em situação ilegal tendem a usar menos os serviços de saúde do que os que têm a sua situação regularizada, algo que pode ser entendido como um sinal das suas maiores dificuldades no acesso, afirma Sónia Dias, investigadora principal do estudo Determinantes do uso dos serviços de saúde por imigrantes em Portugal, que foi publicado este mês na revista científica BMC Health Services Research.
O estudo inquiriu 1513 imigrantes, quase metade (45,4 por cento) estavam em processo de regularização ou eram ilegais; o tempo de permanência médio da totalidade (incluindo os legais) era de seis anos. Os dados levam a concluir que o facto de não se ter documentos "é um factor de risco para não acederem aos serviços", nota Sónia Dias, professora de saúde pública do Instituto de Higiene e Medicina Tropical, em Lisboa.
Ao mesmo tempo, quanto menos tempo têm de permanência no país mais probabilidade têm de não recorrer aos serviços de saúde, o que poderá acontecer por terem menos informação sobre o sistema do que os que estão cá há mais tempo e, eventualmente, por terem menos necessidade de cuidados, constata. Na sua maioria são jovens (a média de idades é de 33 anos) e, "à chegada, a saúde não será o factor que mais os preocupa", afirma, o trabalho e a habitação poderão passar à frente nas prioridades.
Os dois outros autores do estudo foram Milton Severo e Henrique Barros, do Departamento de Higiene e Epidemiologia da Universidade de Medicina do Porto.
Satisfação alta
Cerca de oitenta por cento dos imigrantes, inquiridos no Centro Nacional de Apoio ao Imigrante, em Lisboa, dizem já ter usado o Sistema Nacional de Saúde - 61,7 por cento o centro de saúde e 20,7 por cento o hospital - e o seu grau de satisfação é genericamente alto (quase 70 por cento estão satisfeitos ou muito satisfeitos).
Mas uma das conclusões que se retiram deste estudo é a de que existem "diferentes grupos de imigrantes com padrões diferentes". São os imigrantes originários da América do Sul (a maioria são brasileiros) e de países africanos (sobretudo de Cabo Verde, Angola e Guiné) que estão mais satisfeitos, face aos que vieram da Europa de Leste (a maioria da Ucrânia, Roménia e Moldávia).
Uma pista para explicar as diferenças pode ser a língua, algo que nos primeiros facilita o acesso (só cerca de um por cento dizem que é uma barreira) e nos segundos dificulta (10,7 por cento admitem que é um obstáculo).
Há uma outra explicação possível, aventa a investigadora: africanos e brasileiros podem ter percepções diferentes porque vêm de países com serviços de saúde mais desorganizados e, comparativamente, os que vêm de Leste "têm sistemas de saúde mais bem desenvolvidos", junta a investigadora.
Há também diferenças de género. As mulheres vão mais aos serviços de saúde (82 por cento, face a 75 por cento no caso dos homens), algo que pode ser justificado pelo facto de se encontrarem em idade reprodutiva.
No caso das crianças e grávidas os imigrantes têm, tal como os portugueses, direito a serviços gratuitos, quer sejam ou não indocumentados. Mas não é assim em todas as situações e Sónia Dias admite que os custos da saúde (barreira que é admitida por 3,4 por cento de todos os inquiridos) possam ser um obstáculo acrescido no caso dos indocumentados.
Quando não descontam para a Segurança Social está previsto que os imigrantes paguem os actos a custos diferentes. Um exemplo: uma consulta num centro de saúde pode custar 2,15 euros de taxa moderadora, mas para um estrangeiro sem Segurança Social pode sair por 32,15 euros.
As barreiras no acesso à saúde mais assinaladas pelos inquiridos são o tempo de espera (50 por cento) e os próprios prestadores de saúde (17,9 por cento).
A investigação refere que há estudos internacionais que sugerem que os "estereótipos" dos profissionais podem ter influência na qualidade da prestação de cuidados, lê-se. Sónia Dias afirma que o estudo dá pistas para novas políticas nesta área e uma delas é de que os indocumentados e as pessoas que chegaram há menos tempo ao país precisarão de uma atenção especial.