Sérgio Aníbal, in Jornal Público
As descidas de taxas de juro e os planos de estímulo económico dos governos não chegaram a tempo para evitar a contracção da economia europeia. Portugal é, para já, um dos países que evitam a recessão técnica
Ao fim de quatro anos, Portugal voltou a ter um trimestre em que o crescimento do PIB face ao mesmo período do ano passado não foi mais baixo do que a média da zona euro. O problema é que não foi a economia portuguesa que aumentou o seu ritmo, foi o resto da Europa que travou de tal forma que caiu para o patamar nacional. Fica a pequena consolação de, no meio de uma grave crise internacional, Portugal conseguir pelo menos ficar estagnado.
Os dados do PIB do terceiro trimestre foram ontem apresentados pelos vários institutos nacionais de estatísticas e pelo Eurostat. Não houve surpresas: a zona euro entrou oficialmente em recessão técnica e a economia nacional, embora escapando, ficou-se por um crescimento nulo.
A variação do PIB nacional em cadeia foi, segundo a estimativa rápida do INE, de zero, o que se segue a um crescimento de 0,3 por cento no segundo trimestre. Na zona euro, repetiu-se uma variação negativa, desta vez de 0,2 por cento, confirmando-se a primeira recessão técnica (dois trimestres consecutivos negativos) desde a criação da moeda única.
Quando a comparação é feita com o mesmo período do ano anterior, Portugal manteve a variação do PIB de 0,7 por cento, ao passo que, no total da zona euro, este indicador caiu de 1,4 para 0,7 por cento. Um valor igual entre Portugal e a zona euro já não se verificava desde o segundo trimestre de 2004, no momento da realização do Europeu de Futebol em Portugal, quando ambas as economias cresceram 2,1 por cento.
O que significa isto para Portugal? Estaremos a reagir melhor à crise ou o nosso ritmo de crescimento já era tão baixo que o impacto da crise acabou por ser menor? O economista João Ferreira do Amaral minimiza o resultado, dizendo, à Lusa, que "é uma evolução dentro do esperado, de estagnação", prevendo que "o quarto trimestre apresentará já um crescimento negativo, em linha com as outras economias da zona euro". João César das Neves, por seu lado, diz que "crescer zero em cadeia neste período é uma situação que no quadro em que estamos até é favorável".
No resto da Europa, são vários os casos de contracção e de recessão técnica. Alemanha, Espanha, Itália, Reino Unido, Estónia, Hungria e Reino Unido apresentaram crescimentos em cadeia abaixo de zero no terceiro trimestre. Em Espanha tal já não acontecia desde 1993. Alemanha, Itália e Estónia já tinham obtido um resultado semelhante no segundo trimestre, o que os coloca em recessão técnica.
Lentidão de governos e BCE?
Há muito que se esperava um abrandamento da economia europeia em resultado da crise financeira iniciada em 2007. Todos sabiam que o acesso ao crédito ia ficar mais difícil e que o abrandamento da economia norte--americana acabaria por prejudicar as exportações europeias.
Mas a travagem acabou por ser muito mais rápida e profunda do que o previsto. Governos e bancos centrais, em particular, foram claramente apanhados em contrapé. No caso do BCE, a surpresa foi de tal ordem que, em Julho, já a economia da zona euro - sabe-se agora - estava em recessão técnica, e a entidade liderada por Jean-
-Claude Trichet ainda subiu as taxas de juro em 25 pontos base, dificultando ainda mais o recurso ao crédito para conseguir controlar os preços. Agora a inflação já está a cair a grande velocidade, passando de 3,6 para 3,2 por cento em Outubro.
Do lado dos governos, os planos de estímulo de larga escala demoraram a surgir. Em Portugal, o Governo fez em Junho uma previsão de crescimento de 1,5 por cento para a economia, apresentando como principal medida expansionista uma redução de 21 para 20 por cento da taxa do IVA.
Mas não foram só as autoridades públicas que foram surpreendidas. Em Julho, um inquérito realizado pela agência Bloomberg junto de 26 economistas colocava a probabilidade de uma recessão este ano na zona euro em apenas 35 por cento, o que prova que quase ninguém, por essa altura, estava seguro quanto à forma como os problemas financeiros iriam afectar a economia real.
E a verdade é que, durante os últimos dois meses, muita coisa mudou. A partir de meados de Setembro, com a falência do banco norte-americano Lehman Brothers, a crise nos mercados financeiros acentuou-se, deteriorando ainda mais a confiança dos consumidores e empresários e forçando os bancos a restringir ainda mais a concessão de crédito. O resultado: quebras acentuadas nas compras de bens duradouros como os automóveis (quebra de 14,8 por cento nos ligeiros de passageiros em Outubro na zona euro), redução da produção industrial devido à redução das encomendas internas e externas, lançamento de planos de redução de efectivos em várias grandes empresas.
Agora, já os governos estão a aumentar o estímulo orçamental à economia, deixando subir os défices, e os bancos centrais a baixar taxas agressivamente (o BCE cortou os juros em 0,5 pontos por duas vezes no espaço de um mês). Para além disso, os preços dos combustíveis e dos alimentos começaram a recuar. Mas a dinâmica recessiva da economia já não consegue ser facilmente travada. As previsões, cada vez mais difíceis de fazer, apenas apontam para um início da recuperação no final de 2009.