3.5.08

Conceito de "aldeias-lar" para idosos ganha força no interior

Carlos Dias, in Jornal Público

Intervenção social no Alentejo pretende recuperar e dotar áreas abandonadas com espaços de lazer e unidades de assistência e de apoio


A ideia de alojar os idosos em "aldeias-lar" tomou corpo, há cerca de um ano, após a divulgação de uma tese de doutoramento elaborada por João Emanuel Pereira Martins, especialista em Sociologia, em que propunha o aproveitamento das mais-valias oferecidas por Alqueva, em termos de ordenamento do território e ambiente, para acolher muitos dos 13.000 idosos que em Portugal aguardam em lista de espera a sua entrada num centro de acolhimento.

Como os problemas mais prementes dos idosos surgem associados às situações de abandono, isolamento e escassez de cuidados médicos, João Martins, que é o coordenador do Núcleo Distrital de Beja da Rede Europeia Antipobreza/Portugal (REAPN), defendeu a criação das "aldeias-lar", que considerou um modelo a ser seguido por todo o país.

A proposta tenta encontrar caminho para o enquadramento humanizado dos idosos numa altura em que o sistema demográfico português acentua um declínio da fecundidade e problemáticas situações de envelhecimento. Segundo dados estatísticos (Anuário Estatístico de 2005 do INE) todos os concelhos do distrito de Beja têm um índice de envelhecimento superior à média nacional (111,2 por cento) com valores de 177,9 por cento e existem alguns concelhos com valores elevadíssimos (Mértola 323,3 por cento, Ourique 288,3 por cento e Almodôvar 243,7 por cento) por cada 100 nascimentos.

Por outro lado, o índice de dependência dos idosos no distrito apresenta valores de 38,2 por cento perante 25 por cento do território nacional. A população idosa assumida com a condição de reformada aufere pensões muito baixas (em 2001 cerca de 66 por cento tinham rendimentos mensais inferiores à média nacional). O estudo revela ainda que no distrito de Beja é maior o risco de pobreza apresentando más condições habitacionais, difícil acesso aos serviços de saúde e isolamento social.

João Martins explica que o Alentejo dispõe de "excelentes condições climatéricas e riqueza ambiental" que podem assegurar uma "intervenção social mais adequada à dignificação do idoso", realçou o sociólogo na intervenção que fez durante o seminário realizado na passada quarta-feira em Beja sobre "Aldeias-Lar - Um futuro para o interior de Portugal". O modelo que propõe, para além do acolhimento, assegura um melhor ordenamento do território - recupera espaços patrimoniais em fase de degradação - e potencia a criação e qualificação de emprego, num território que mantém as mais elevadas taxas de desemprego do país.

Este projecto visa igualmente garantir que grande número de idosos residentes no interior não tenha de abandonar as suas casas e ir para lares muitas vezes na sede do concelho ou na capital do distrito, longe de todos os seus referenciais expressos nos familiares, amigos e vizinhos.

Regresso às origens

Este projecto segue, em certa medida, a opção já tomada por um número crescente de alentejanos que estão a regressar às suas terras de origem após décadas de trabalho na área metropolitana de Lisboa. Agora repovoam as aldeias do interior rural, em casas de família que adequaram às novas exigências habitacionais. Este precedente faz acreditar que as aldeias--lar façam todo o sentido, por facultar aos idosos um "envelhecimento activo", liberto dos constrangimentos que são oferecidos pela esmagadora maioria dos lares em Portugal.

Recuperação de velhas habitações ou construções em comunidades abandonadas

O modelo passa pela recuperação das velhas casas ou a construção de novas em comunidades abandonadas ou semiabandonadas e pela instalação de espaços de lazer, unidades centrais de apoio para servir refeições e prestar assistência médica (cuidados paliativos, serviços geriátricos e de gerontologia, durante 24 horas por dia).

Nas "aldeias-lar", um casal de utentes idosos poderá beneficiar de uma só casa para si, enquanto pessoas sós (homens e mulheres) partilham casas com outras do mesmo sexo e com capacidade variável entre duas e seis pessoas. Para a segurança das áreas habitacionais e dos seus próprios utentes, seria proposta a monitorização daqueles espaços, recorrendo-se para isso às novas tecnologias, como a videovigilância.
A constituição das "aldeias-lar" prevê a possibilidade de poderem ser financiadas através de investimento público, privado ou misto. Nestas aldeias e vilas deverá ainda ficar disponível um conjunto de habitações para que os filhos e familiares destes idosos, bem como todos o que queiram conviver com este conceito, também ali o possam fazer.

No caso de existir uma rede de aldeias com uma gestão central, há ainda a possibilidade de os idosos passarem períodos temporais em sítios diferenciados.

24
horas por dia seria o horário das unidades de apoio para refeições e assistência médica aos utentes