10.7.08

ano em que as dificuldades chegaram à classe média

Sérgio Aníbal, in Jornal Público

Ao quinto ano de crescimento lento, a inflação e a alta de juros colocou ainda mais famílias em dificuldade

Salários quase parados e despesas com alimentação, combustíveis e empréstimos sempre a subir alargaram nos últimos meses o leque dos portugueses que sofrem directamente o impacto de uma crise económica.

Em 2003, quando a economia entrou em recessão e a taxa de crescimento caiu para valores negativos, os problemas ficaram sobretudo concentrados nos mais de 200 mil novos desempregados provocados por reestruturações de empresas e deslocalizações. Mas agora, com a economia a crescer ainda lentamente, e apesar do desemprego ter deixado de subir, a verdade é que o número de prejudicados pela crise aumentou substancialmente.

Uma parte significativa da classe média, muito endividada e com elevados gastos em áreas como a energia, a educação e a saúde, começou também a ficar sem dinheiro para pagar todas as contas. Os mais pobres, mesmo mantendo o seu rendimento, ficaram ainda com mais dificuldades em garantir a satisfação de necessidades básicas. Por isso, não é de espantar que, embora a taxa de crescimento seja agora superior ao que acontecia em 2003, os portugueses revelem, nos inquéritos realizados pelo INE, a visão mais pessimista de sempre em relação à situação financeira do seu agregado familiar.

Petróleo, juros e pão

Quais as razões por trás deste cenário sombrio? Por um lado, os efeitos importados de uma conjuntura externa difícil e, por outro, as limitações domésticas que ainda estão muito longe de ficar resolvidas.

A crise financeira iniciada em Agosto do ano passado nos mercados internacionais deu um grande contributo: as taxas de juro nos mercados de crédito começaram a subir e os portugueses, que na década anterior tinham aproveitado os juros baixos e as facilidades dadas pelos bancos para comprarem casa e carro, estão agora a ver as prestações dos seus empréstimos a subir dia após dia. A Euribor a seis meses, que serve de indexante para muitos créditos em Portugal, passou de 4,3 por cento há um ano para 5,1 por cento agora, uma diferença capaz de causar muitos rombos nos orçamentos familiares.

Depois há o choque petrolífero. No último ano, o preço do litro da gasolina sem chumbo passou, em Portugal, de uma média de 1,367 euros para 1,518 euros. Como as famílias portuguesas estão entre as que gastam uma maior parte do seu rendimento em combustíveis para automóveis, o efeito desta subida de preços é significativo para muitos portugueses. Estas duas subidas de preços afectaram especialmente a classe média.

Para os mais pobres, contudo, o que mais custou foi o impacto da subida de preços nos bens alimentares. Bens essenciais como o pão, o leite, o arroz, massas e ovos registaram durante o último ano subidas de preços superiores a 10 por cento, encurtando ainda mais os orçamentos familiares mais baixos de Portugal.

A inflação no país até tem sido mais moderada do que no resto da Europa. O problema é que, em simultâneo, como a economia ainda cresce pouco e o desemprego está a um nível elevado, os salários não acompanham as necessidades. O Governo mantém há sete anos aumentos salariais abaixo da inflação para os funcionários públicos e no resto da economia a tendência é seguida. Em 2008, de acordo com a Comissão Europeia, Portugal vai completar o terceiro ano consecutivo de redução dos salários médios reais, a primeira vez que tal acontece desde pelo menos 1980.

Potencial ainda fraco

As perspectivas para o futuro próximo não são animadoras. Um crescimento económico mais rápido que levasse à redução do desemprego e à alta dos salários não está, para já, no horizonte. Todas as previsões para a economia portuguesa têm vindo, nos últimos meses, a ser revistas em baixa. O próprio Governo, que durante muito tempo apostou numa variação do PIB superior a dois por cento, já baixou a sua meta para 1,5 por cento. Ontem, o Núcleo de Estudos de Conjuntura da Economia Portuguesa (NECEP) da Universidade Católica reviu a sua projecção de crescimento para este ano para 1,2 por cento. Para 2009, ninguém arrisca mais do que uma retoma modesta.

Isto acontece porque Portugal, para além de sofrer com o que se passa no resto do mundo - e em especial na vizinha Espanha -, continua sem condições internas que lhe permitam aspirar a um crescimento maior. O consumo privado e o investimento estão limitados pelo elevado endividamento e as exportações variam, sem ganhos significativos de quota internacional, ao sabor do ritmo da procura proveniente da Europa. A OCDE, num relatório recente, até elogiou as reformas feitas pelo Governo, mas continua a apontar para um crescimento potencial de apenas 1,5 por cento, um valor que não permite sequer pensar no regresso à convergência com a média europeia.