in Agência Ecclesia
A sociedade portuguesa é muito desigual e implacável para com os mais desprotegidos.
Como os mecanismos que alimentam a desigualdade não foram ainda corrigidos e, muito menos, desligados, a diferença entre os que têm e os que não têm não se esbateu ao longo dos últimos anos, pelo contrário, agravou-se em muitos aspectos.
É certo que existem formas de assistência e tentativas de combate à pobreza e à exclusão bastante significativas em termos orçamentais, ou, mesmo, de empenhamento da sociedade civil, mas os seus efeitos para a diminuição das diferenças ou de ascensão na escala social têm tido muito pouca visibilidade por manifesta ineficiência na sua aplicação.
Têm servido mais para manter a situação alcançada com um mínimo de dignidade – v.g. o Rendimento Mínimo de Inserção – do que para rasgar vias de saída da pobreza e da exclusão pela valorização do indivíduo e, acima de tudo, por conseguir o empenhamento do “outro lado” da sociedade. Com efeito, também este “lado” não excluído terá de caminhar ao encontro dos mais desprotegidos e, de uma forma minimamente concertada, ajudá-los no complemento dos seus conhecimentos e na sua afirmação plena como pessoas e cidadãos.
Esta acção conjunta da sociedade é tanto mais importante quanto mais pensarmos nas pessoas que vivem naquilo a que chamamos, eufemisticamente, territórios críticos, ou seja, bairros clandestinos e bairros sociais falhados, onde se encontram muitos dos desprotegidos, pobres e, mesmo, não-pobres.
Aqui, à condição de exclusão por falta dos meios adequados, juntam-se, muitas vezes, e por tempo por vezes significativo, os efeitos perniciosos de actividades ilícitas que lá se desenvolvem ou ocultam, usando essas populações como máscara protectora ou tirando partido de muitos dos seus elementos como seus instrumentos, pelo aliciamento do dinheiro mal ganho, numa acção em que a violência não anda longe e em que as liberdades se encontram cerceadas e a afirmação de cidadania extremamente limitada.
São situações que teremos de ter presentes se quisermos enfrentar face a face a exclusão e lutar contra o viver separado das duas “partes” da sociedade portuguesa.
A nossa acção tem de ser tão completa quanto possível. Não podemos ajudar os pobres sem implicar os ricos, não podemos melhorar as condições de alojamento sem pensarmos numa acção fortemente solidária na criação de empregos, não podemos procurar criar uma sociedade mais justa sem combater com determinação a ilicitude.
É um desafio muito complexo mas exequível se tivermos bem a noção do conjunto, se tirarmos partido pleno das redes de solidariedade e de trabalho conjunto já criadas, no Estado e na sociedade civil, num exercício pleno de descentralização, e se todos nos mobilizarmos num esforço de responsabilização, completamente assumida e executada, num contexto de uma intervenção sustentada.
Só assim as duas “partes” da nossa sociedade se ajudarão a destruir as barreiras que actualmente as separam tornando-a menos desigual e mais solícita para com os desprotegidos.
Fernando Manuel Roque de Oliveira (membro da Comissão Nacional Justiça e Paz e Presidente do Observatório sobre a Produção, Comércio e Proliferação das Armas Ligeiras da CNJP.