Catarina Gomes, in Jornal Público
Profissionais criticam casos de "obstinação terapêutica e abandono" dos doentes. Centros de saúde vão ter equipas domiciliárias a dar apoio
Na primeira unidade de cuidados paliativos do país, a funcionar no Hospital do Fundão, "o aumento enorme de doentes a precisar de cuidados paliativos" tem levado a que alguns sejam recusados. "A capacidade está esgotada em termos de internamento", diz o director do Serviço de Medicina Paliativa da unidade, Lourenço Marques. Muitas vezes, quando voltam a ter lugares, "o doente morreu, ou já não [se consegue] contactar".
O médico, que gere um serviço com dez camas, conta que 25 por cento dos doentes ali internados chegam menos de cinco dias antes de morrerem. "É de terceiro mundo. Quando estão moribundos, é que vêm", diz. "Alguns morrem a caminho, na ambulância."
Os cuidados paliativos servem para aliviar o sofrimento físico (com o uso de fármacos) e emocional (a equipa inclui psicólogos) de pessoas com doença incurável e progressiva. Os principais destinatários são quem sofre de cancro e de doenças neurológicas degenerativas e graves, entre outras.
"É horrível dizer que não"
Lourenço Marques sublinha que um doente que nunca foi tratado para a dor já não responde facilmente às terapêuticas. "Os sintomas ficam totalmente descontrolados e sofrem até ao final. Estes doentes não surgem de repente. A responsabilidade é da equipa de saúde que os assiste", defende, criticando os casos de "obstinação terapêutica e abandono" que diz existirem. "A continuidade de cuidados é obrigatória." Só este ano, morreram no serviço 100 doentes. Desde a sua criação, em 1992, morreram 1200, a que se juntam outros 100 que estavam a ser seguidos por apoio domiciliário.
O responsável diz que o hospital é "a única solução" em cuidados paliativos na área de Castelo Branco e Guarda. Neste momento, calcula que tenham oito doentes à espera de iniciar cuidados paliativos.
Jorge Maria Carvalho, médico coordenador da equipa domiciliária de cuidados paliativos da Santa Casa da Misericórdia de Azeitão, no distrito de Setúbal, tem o mesmo problema: "Temos imensos pedidos mas não temos capacidade para mais." Esta equipa, que faz parte da Rede Nacional de Cuidados Continuados, dá apoio a um máximo de 30 pessoas mas tem muitas vezes que dizer que não - "é horrível dizer que não".
Aos doentes que ficam de fora resta-lhes ir às urgências quando se agravam os sintomas, ficam "numa situação de pingue-pongue". O objectivo da equipa domiciliária da Santa Casa que junta médicos, psicólogos, assistentes sociais e fisioterapeutas é prestar apoio para que os que queiram possam morrer em casa.
Listas de espera
Adna Gonçalves, directora da Unidade de Cuidados Paliativos do Instituto Português de Oncologia (IPO) do Porto, refere que "o serviço está sempre cheio" e só é possível dar resposta aos doentes do hospital. Mesmo assim, as 20 camas disponíveis não são suficientes e, no IPO, há doentes a receber cuidados paliativos noutras enfermarias. "Um terço dos que morrem com cancro beneficiaria com cuidados paliativos." Nos doentes que entram pela consulta externa, "há algumas semanas de espera".
Emília Fradique, enfermeira da equipa intra-hospitalar de suporte em cuidados paliativos do Hospital de Santa Maria, em Lisboa, sublinha que, além de "as ofertas não serem assim tantas e haver listas de espera, nos hospitais também se sentem outros problemas". "Há falta de sinalização dos próprios médicos" quanto aos doentes a precisar de cuidados paliativos, alerta. A profissional de saúde refere-se a " clínicos que praticam obstinação terapêutica". "Investem mal nos doentes até ao fim. Estão preparados apenas para curar e não percebem as necessidades evidentes destes doentes e familiares."
Luís Capelas, professor do Instituto Superior de Ciências da Saúde da Universidade Católica, fez estimativas baseadas nas mortes em Portugal em 2007 e chegou à conclusão de que a cobertura nesta área não chega a um por cento das necessidades. "A grande falha no sistema são as equipas comunitárias móveis que vão às casas e aos lares. No que toca apenas ao número de camas, a cobertura é maior e chega aos dez por cento: existem cerca de 80 camas, seriam precisas 800. Cerca de 21 por cento das mortes em Portugal são por cancro e 60 por cento terão necessidades de cuidados paliativos", nota o especialista.
A coordenadora nacional da Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados (que inclui os paliativos), Inês Guerreiro, diz que na rede há 71 camas para paliativos. Até ao final do ano aponta-se para 150 camas de internamento e quer-se que todos os centros de saúde venham a ter equipas domiciliárias que também darão apoio nesta área. Para Inês Guerreiro, contudo, mais importante do que ter unidades específicas é levar a cultura dos cuidados paliativos a todo o sistema - com todos os profissionais empenhados no alívio de sintomas e apoio emocional. Por isso, estão a apostar na formação.
10%
O número de camas existentes apenas cobre dez por cento das necessidades: existem 80 quando seriam precisas 800